Por que é tão difícil
para aqueles que nasceram em famílias mais humildes dominar o chamado português
culto? Com certeza não é porque são menos inteligentes, mas porque nasceram e
convivem num ambiente em que essa língua não é real.
O linguista Marcos
Bagno, em seu livro Preconceito
Linguístico, mostra que a língua receitada pela gramática normativa é uma
imposição das elites dominantes do País. Ela não foi escolhida como língua
padrão por acaso. Aqueles que têm a hegemonia no campo político e econômico,
por uma questão de puxar brasa para sua sardinha, a privilegiaram em detrimento
dos diversos e legítimos falares brasileiros.
Existem inúmeras
variedades da língua portuguesa no Brasil – todas legítimas e corretas do ponto
de vista sociológico e funcional. Portanto, não há, como alguns advogam,
supremacia de uma variedade como o chamado português culto ou língua padrão.
A internalização da
ideia de que a língua da gramática normativa é única contribui para o aumento
da sensação de pequenez por quem não nasceu em berço de ouro. Por isso, muitos
se dizem “burros” e, portanto, sentem-se incapazes na hora de expressar o
pensamento com medo de ser criticados e rotulados de ignorantes.
O ex-presidente Lula
provou que competência para governar não está atrelada ao domínio da língua culta.
A capacidade intelectual do ex-operário do setor metalúrgico que ascendeu ao
principal posto do País derruba a tese de que apenas quem fala a língua socialmente
valorizada está apto a dirigir uma nação. O presidente, usando o seu próprio
português, tão rico quanto o outro, conquistou os plebeus e até mesmo uma
parcela dos nobres, falando de igual para igual com a maioria do povo
brasileiro.
É mais fácil, para
quem nasceu num contexto privilegiado, dominar a sintaxe da língua culta, visto
que, desde a mais tenra idade, vivenciou essa variedade no ambiente doméstico.
Se uma criança da periferia ou da roça tivesse nascido em contexto semelhante,
obviamente a sua língua natural seria outra e teria mais facilidade de aprender
as nuances mais complexas da língua culta nas aulas de Português.
Por mais que alguém
se orgulhe de saber empregar com maestria a morfossintaxe da língua padrão, nunca
a dominará por completo, considerando que se trata de uma língua ideal, não de
uma língua real, conforme o renomado linguista Sausurre demonstrou em meados do
século XX.
A língua não é
estática, como prescrevem os gramáticos. Ela varia de acordo com a época, a idade,
o sexo, o grau de escolaridade e o contexto geográfico, econômico e social, e
assim por diante. Por isso, é impossível haver homogeneidade linguística entre
os falantes. Não dá para afinar todo mundo pelo mesmo diapasão, tampouco
engessar o idioma, “última flor do Lácio, inculta e bela”.
Apesar dessa
diversidade, cada falante, sobretudo os que vivem da comunicação e do ensino da
língua, deve se empenhar para dominar o maior número possível de falares, a fim
de adequar-se aos diversos contextos sociais. Nada justifica o comodismo e a
preguiça.
Não se pode
prescindir do estudo sistemático da língua padrão, por mais alienígena que seja
para a maioria dos brasileiros, considerando não somente o seu valor social,
mas também a necessidade de ombrear com os detentores do poder, que ditam as
regras do jogo político, social e econômico, a fim de não se manter oprimido, discriminado
e excluído.
Numa sociedade
capitalista e neoliberal como a nossa, tudo é planejado para manter o status quo de uma oligarquia que mantém
as rédeas do poder. Ninguém consegue, por exemplo, passar no concurso para
auditor da Receita Federal, se não conhecer muito bem a gramática normativa. A
mesma coisa ocorre nos vestibulares para os cursos mais prestigiados, como
Direito e Medicina.
Para alguém das
minorias obter, por exemplo, uma formação igual à do ministro Joaquim Barboza, ex-presidente
eleito do Supremo Tribunal Federal, é preciso muito esforço pessoal, muito
estudo, muita perseverança, tudo isso associado ao saber aproveitar as
oportunidades.
É pura ignorância
discriminar alguém por causa do não domínio da chamada língua padrão ou norma
culta. No entanto, cada um de nós deveria se preocupar em aprender bem essa
variedade, sem menosprezar as outras, pois disso depende uma boa convivência
social.
Antônio de Souza Matos