Aprendemos, desde as primeiras letras, que é
errado repetir palavras em um texto. No entanto, a repetição, às vezes, é
necessária para dar clareza ao enunciado, enfatizar uma ideia, entre outras
finalidades estilísticas.
No livro “Lutar com palavras: coesão e
coerência” (2005), Irandé Antunes, doutora em Linguística pela Universidade de
Lisboa, mostra-nos que a repetição é um dos procedimentos da reiteração – tipo
de relação textual que consiste em retomar um segmento do texto para manter a
coesão e a coerência. Segundo a autora, a repetição pode se dar pelos seguintes
recursos: paráfrase, paralelismo e repetição propriamente dita.
A paráfrase é “uma operação de reformulação,
de dizer o mesmo de outro jeito”. É empregada para esclarecer um conceito, uma
informação, uma ideia. Aparece geralmente após expressões como: “isto é”, “ou
seja”, “em outras palavras”.
O paralelismo é “um recurso muito ligado à
coordenação de segmentos que apresentam valores sintáticos idênticos”. Em
outras palavras, é o emprego de uma estrutura gramatical similar com o
propósito de manter uma simetria ou harmonia entre segmentos textuais (note que
usei a paráfrase para explicar o paralelismo).
No período composto “É conveniente chegares a
tempo e trazeres o relatório pronto”, vê-se o paralelismo, uma vez que, na
última oração, o verbo trazer aparece também no infinitivo pessoal, a exemplo
do que ocorre na segunda oração – ambas exercem a mesma função sintática, de
sujeito da primeira. Haveria a quebra de paralelismo se a frase fosse escrita
assim: “É necessário chegares a tempo e que tragas o relatório pronto”. A última oração, como se pode observar, quebra
o paralelismo, pois vem introduzida pela conjunção “que”, e o verbo aparece no
presente do subjuntivo: “tragas”.
É comum a quebra do paralelismo em segmentos
como este: “Temos de pagar imposto, quer queiramos, quer não”. De um modo
geral, escrevemos: “Temos de pagar imposto, quer queiramos ou não”. A quebra,
neste caso, se deve à substituição da conjunção coordenativa alternativa “quer”
pela conjunção coordenativa alternativa “ou”. É comum também a quebra do
paralelismo em segmentos semelhantes a este: “papel desempenhado pelo homem e
mulher”. Para mantê-lo, teríamos de escrever: “papel desempenhado pelo homem e
pela mulher”.
Já a repetição propriamente dita consiste em
retomar uma unidade usada anteriormente – uma palavra, uma sequência de
palavras ou até mesmo uma frase inteira. Ela é um recurso do qual não podemos
prescindir, pois desempenha algumas funções coesivas relevantes, tais como:
marcar a ênfase que se pretende atribuir a um determinado segmento, marcar o
contraste entre segmentos, servir como gancho para uma correção e marcar a
continuação do tema em foco, conforme se pode ver nos exemplos abaixo:
“Ninguém
deve comprar imóvel sem antes fazer pesquisa. Ninguém.” (Repetição do pronome
“ninguém” para dar ênfase à informação da frase anterior). “O problema não está
no estudante; o problema está no sistema.” (Repetição do substantivo “problema”
para marcar o contraste entre estudante e sistema). “[...] A organização estava a cargo dos
diplomatas, mas Rafael Grecca assumiu-a para promover uma festa popular.
Popular?” (Repetição do adjetivo “popular” para corrigir a informação da
unidade anterior – todo o período). “Furtei uma flor daquele jardim. O porteiro
do edifício cochilava, e eu furtei a flor [...]” (fragmento extraído do poema
“História de Flor”, de Carlos Drummond de Andrade). Nesse poema, o autor repete
a palavra “flor” cinco vezes, para dar sequência ao tema sobre o qual discorre.
Quem ousaria reprová-lo?
Além dos exemplos dados, que tratam da
funcionalidade da repetição, diz Irandé, deparamos com uma série de situações
em que se torna praticamente
impossível não repetir uma palavra. Por exemplo, não é fácil conseguir um
substituto para palavras como cooperativismo, comunismo, democracia, pecuária. A
autora esclarece que o número de ocorrências das palavras repetidas varia de
acordo com uma série de fatores, tais como gênero, intenções e tema.
Convém ressaltar que a repetição não é um
recurso retórico restrito ao texto publicitário ou poético, como alguns pensam.
Ela aparece com frequência em vários tipos de texto não literários: editoriais,
artigos, relatórios, reportagens, entre outros.
Assim,
não precisamos ficar com essa paranoia de não querer
repetir palavras, achando que vamos cometer um crime de lesa-pátria. Mas é bom
lembrar que esse recurso só tem valor quando torna o texto mais funcional e mais
expressivo.
Professor
e revisor de textos. E-mail:matoseluiza@yahoo.com.br
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